Eu nunca fui um bom leitor. Sempre me pareceu mais atrativa a rua, com o perigo dos carros passando entre nós, as crianças, na hora da bola e com a noite fechando mais um dia de vida pueril. Na minha casa não havia nenhuma tendência acadêmica, nem muitos livros. Isso sim, foi crescido numa família que se juntava para contar as façanhas de épocas anteriores de festanças dos meus pais e tios, além de tantas outras anedotas de outras épocas anteriores.
Anos depois, nas minhas primeiras andanças escriturais em círculos literários percebi o quanto eu era diferente com meus colegas, pois quase todos haviam devorado romances e poesias com muita mais vontade e dedicação que eu.
Jaad, quem foi meu primeiro mentor e mestre, deu-me uma bronca, e me mandou ler sem parar o quanto eu encontrasse nos meus estantes. Aliás a chamada sucedia depois que ele lera um par de contos meus, assegurando que era impossível que eu não houvesse lido, até então, nenhum romance.

Éramos tão xõvens, em Centro de Formación Literaria Onelio Jorge Cardoso, La Habana, Cuba
Eu não mentia, Jaad. De fato nunca antes havia me atrevido a ler mais do que alguns poucos contos de Poe e alguns outros Tchéjov, acho. assim fui eu, arriscando com minhas próprias palavras descrever aquelas sensações que pela pele e olhos me invadiam sobre o mundo que eu me inventava.
Mas eu sentia uma inveja, calejada em silêncios, quando em conversas plurais entre amigos escritores, eu não conseguia aportar meus matizes sobre obras altamente qualificadas e obviamente sagradas para o mundo literário. Assentia ou sorria, mas jamais falava. Preferia ir-me a outro canto, espernear alcoóis e músicas coloridas entre aqueles que mais que se gabar de cultos, brincávamos de boêmios empedernidos.
A loucura funcionava, e uma hora, os que ostentavam conhecimento e vocabulário, partiam para suas casas enquanto os bêbados continuávamos inventando mundos poéticos sem verbos nem sentenças.
Mais os livros foram me pegando de surpresa. Romances volumosos e opulentos me abraçavam sem me deixar dormir. e entre festas e viagens alguns exemplares me ensinaram outra forma de escrever. Assim, num desejo voraz de ter, fui juntando livros que gostaria de ler, outros que seria importante ler, mas nunca leria e outros que mesmo que não me interessassem ficariam para mim.
No meio dos meus vinte e tantos, uma amiga italiana, neurologista, muito sabia, agarrou minha cabeça e disse: eu entendo sua hiperatividade. Eu não havia perguntado nada. Era uma voz aquosa com sotaque europeu trazendo à tona a discrição exata de como o formato da minha testa influenciava na minha pouca concentração para tarefas como a leitura. é por isso, ela disse. Assim foi que entendi como era mais simples para eu ler numa viagem de ônibus ou simples, não ler.
Com o tempo, fui dando minha interpretação aos fatos e conciliando melhor, comigo, o meu devir de escritor. Eu não queria saber como os outros escreviam, de fato não me interessava. Gostava apenas do meu mundo de palavras e experiências, solitárias e egóicas.
(reviravolta)
Tempos depois, já morando no Brasil, tendo abandonado o circuito de escritores promissores da minha geração em Cuba, aprendido uma nova língua – este português autodidata -, com um par de livros publicados, e outras menciones em coletâneas, e sem ainda poder me firmar a produzir na minha nova língua, deu-me por brincar contigo, Benja, de fazer livros.

Brincando de vender livros no Brincando!
Era uma tarde cinzenta lá no litoral norte de São Paulo. Um calor voraz atacava frestas e janelas e pernilongos dançavam no ritmo do ventilador de teto, quando eu disse a você vamos “fazer” um libro. Foram cinco folhas sulfite, brancas, dobradas ao meio e grampeadas. Eu te pedi um título, você deu. Depois pedi para desenhar a capa, você desenhou. Na sequência, fomos escrevendo a história – você ditava e eu escrevia – logo você acompanhava com uma ilustração, assim até terminar o livro. Foram vários que fizemos. Muitos!
Hoje em dia, hijo, essa rareza de viver. Você quando pede algo, é para comprar um gibi, e devora estes com uma dedicação incrível. Ando pela casa, e encontro eles abertos, esperando por você. Quando decides me dar um presente com sua mãe, é quase sempre um livro.
As vezes é assim… Eu não podia ler, não queria. Mas você está ai, para me tornar outro eu. Este aqui.

Vendendo livros numa feira na Praça Elis Regina, São Paulo, Brasil